Mercado livre assume protagonismo em geração de energia e cria desafios
Publicado por Valor Econômico em ENERGIA · 16 Maio 2022
Investidores do mercado livre de energia - segmento em que é possível escolher seu fornecedor - ampliaram a participação nos novos projetos de geração no país. Este grupo responde por 83% do total de 45 gigawatts (GW) em potência das usinas em construção e com início de operação programado até 2026, segundo levantamento da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
Do total de R$ 183 bilhões que serão destinados às novas usinas até 2025, R$ 152 bilhões ficarão por conta do mercado livre. Entre os tipos de fontes, os maiores destaques são da geração solar fotovoltaica e da eólica, com a fatia de 82% dos projetos.
Os números levantados pela associação confirmam uma tendência já observada no início da pandemia da covid-19, quando a expansão da oferta de energia passou a ser puxada pelo mercado livre. Até então, este papel cabia ao “mercado regulado”, formado pelas distribuidoras, em que o consumidor não pode escolher quem vai fornecer sua eletricidade e o custo da energia é definido nos reajustes tarifários anuais.
Com o fechamento da economia em 2020, a queda no consumo e o aumento da inadimplência levaram à suspensão temporária dos leilões de contratação de novas usinas para atender à demanda das distribuidoras.
Foi, então, que o mercado livre assumiu o protagonismo na expansão. A participação nos novos projetos subiu de 34% no início daquele ano para 72% em 2021, conforme antecipou o Valor em fevereiro do ano passado.
O incremento de 45 GW em capacidade de geração em cinco anos dará mais robustez ao sistema. Hoje, o país conta com a disponibilidade de 183 GW, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Desse total, 56,3% são de grandes hidrelétricas, 24,6%, de termelétricas, 11,8%, de eólicas, 3%, de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), 2,7%, de solar, e 1%, de nuclear.
Apesar de os novos empreendimentos reforçarem o caráter renovável da matriz energética, o investimento predominante em usinas eólica e solar desafia os órgãos de planejamento e operação do sistema a lidarem com a intermitência das duas fontes.
Nelas são observadas oscilações de carga provocadas pela variação na intensidade dos ventos e da luz solar ao longo do dia. Isso não ocorre com as hidrelétricas, também consideradas uma fonte “limpa”, e com as termelétricas, que emitem gases poluentes e são mais caras.
O ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e atual presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, avalia que o Brasil tem a vantagem de poder integrar as renováveis a um custo inferior ao observado em outros países. Para isso, ele defende que é preciso usar a “farta disponibilidade” de hidrelétricas com reservatórios como baterias, capazes de conferir maior estabilidade.
Barroso considera que o sistema de transmissão, formado pelas grandes redes de alta tensão que cortam o país, permite aproveitar o fator de “complementariedade” entre as fontes distribuídas nas diferentes regiões.
Sobre o desafio do aumento de participação das fontes intermitentes, outro ex-presidente da EPE Mauricio Tolmasquim ressaltou que o sistema precisa de termelétricas a gás “flexíveis”, que ficam à disposição para operar quando necessário.
“O grande problema é que boa parte das termelétricas existentes foi contratada pelo mercado regulado. Assim, em momentos de hidrologia ruim [pouca chuva], o custo de operação destas térmicas, que é muito elevado, recai apenas sobre o consumidor cativo, por meio do pagamento das bandeiras tarifárias”, disse Tolmasquim, que é professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.
Hoje, somente grandes consumidores de energia - como indústrias, shopping centers e grandes varejistas, que respondem por 35% da demanda no país - podem ir para o mercado livre.
Há a expectativa de que o Congresso aprove neste ano o Projeto de Lei 414/21, que define um cronograma de abertura do mercado. Isso garantiria, em até 42 meses, o direito de escolha do fornecedor de energia aos consumidores residenciais e de pequenas e médias empresas.
Para o presidente da Abraceel, Rodrigo Ferreira, a proposta legislativa prevê ainda uma “divisão equilibrada” de despesas com as termelétricas, que dão maior segurança ao sistema, entre os mercados livre e cativo. Ele prevê que o maior acesso ao mercado livre, acompanhado do acirramento da competição, tornará a energia mais barata.
“O PL 414 é a reforma estrutural que vai de fato reduzir o preço da energia no Brasil, ao empoderar o consumidor. Qualquer medida de curtíssimo prazo não endereça esse assunto e, ao contrário, cria uma instabilidade regulatória”, disse Ferreira, que se refere à recente ameaça da Câmara dos Deputados de suspender os reajustes tarifários acima de 20% aprovados neste ano pela Aneel.